terça-feira, 24 de junho de 2014

Estudo - Policiais não têm preparo para tratar LGBT e outras minorias

Menos de 1% do curso que forma agentes de segurança é voltado para direitos de vulneráveis
Por Aline Diniz 


“Quando somos roubadas ou espancadas, ligamos para a Polícia Militar (PM), mas não aparece ninguém. Se um cliente é assaltado, somos criminalizadas. O bandido vale mais que nós”. Indignado, o relato é de uma travesti que atua na capital, feito sob anonimato. Ela e colegas que dividem o mesmo ponto contam que são hostilizadas por policiais. “Alguns passam por aqui, nos chamam de ‘João’ e nos mandam jogar bola”, diz outra. Queixas como essas, de ameaças, extorsões, roubos e revistas inadequadas, foram registradas em pesquisa do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da Universidade Federal de Minas Gerais (NUH/UFMG) e do Instituto de Direitos Humanos (IDH).
O levantamento aponta a baixa carga horária que a formação dos agentes de segurança dedica aos direitos humanos como uma das causas do despreparo da Guarda Municipal e das polícias Militar e Civil no trato com travestis. Apenas 1% de todo o conteúdo estudado é dedicado ao tratamento à população LGBT e a outros grupos vulneráveis, como grávidas, idosos e negros, conforme explica o coordenador do NUH/UFMG, Marco Aurélio Máximo Prado. “Os policiais estão totalmente despreparados para lidar com a população LGBT”, afirma.


O estudo ouviu representantes de associações LGBT e cerca de 60 policiais em cada um dos cinco Estados pesquisados .

Doutoranda e pesquisadora do NUH, Rafaela Vasconcelos Freitas considera que, como a preparação é descontextualizada e focada em situações específicas, os agentes entendem as orientações como privilégios – e não como direitos. “É como se tratar bem a todos fosse suficiente para atender especificidades”.

Segundo Prado, a pesquisa mostrou que entre os policiais não há consenso sobre o uso do nome social das travestis. O levantamento também mostra que as polícias sempre usam a ausência de marcos legais para justificar o não alinhamento aos direitos dessa população.

Soluções. Dentre as mudanças propostas pela pesquisa, estão aprimoramento da formação dos agentes, conscientização dentro das corporações e construção de banco de dados com denúncias.

Presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual, a transexual Anyky Lima considera que os cursos deveriam ser dados por quem sofre, na rua, com o preconceito. “As travestis são vistas como marginal. Poderia haver aproximação delas com a polícia”.

Corregedoria

Polícia. Questionada pela reportagem de O TEMPO sobre o número de denúncias da população LGBT contra militares, a Corregedoria da Polícia Militar (PM) não respondeu a demanda até o fechamento desta edição.

Reclamações subiram 160% em um ano
Em 2012, em Minas, o poder público registrou 255 denúncias sobre 520 violações relacionadas à população LGBT – 160% a mais que no ano anterior, quando foram registradas 98 reclamações.

Os dados são do “Relatório sobre Violência Homofóbica do Brasil 2012”, feito pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República com base em queixas aos serviços Disque 100 e Ligue 180 e à Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS).
Coordenador do NUH/UFMG, Marco Aurélio Máximo Prado ressalta que a população LGBT não denuncia a maioria dos crimes. “Isso ocorre por constrangimento e porque não há investigação”, explica.


Guardas e polícias alegam que aulas abordam questão 
Representantes da Guarda Municipal e das polícias Militar e Civil de Belo Horizonte – uma das capitais estudadas na pesquisa – informaram que a formação dos agentes compreende a questão LGBT.
Segundo o major Gilmar Luciano, chefe da sala de imprensa da Polícia Militar de Minas, uma matéria no curso de direitos humanos trata da questão. Na pós-graduação feita por militares, são oferecidas disciplinas sobre o assunto, diz ele. E, a cada dois anos, os policiais passam por reciclagem de uma semana, na qual o assunto é abordado mais uma vez, informa o major.
Gerente de comunicação social da Secretaria Municipal de Segurança, Roger Víctor explica que os guardas municipais são obrigados a frequentar aulas da disciplina de direitos humanos. “Em mais de dez anos, nunca vi uma ocorrência desse tipo (violência contra LGBT) na capital”, afirmou. Casos de abuso devem ser informados à ouvidoria ou à corregedoria da instituição, segundo ele.
A academia da Polícia Civil também oferece o treinamento, segundo a chefe do Núcleo de Atendimento e Cidadania à População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (NAC- LGBT), a delegada Margaret de Freitas Assis Rocha. “Falamos dos direitos e pontuamos casos práticos”, explica. Para ela, é preciso unir prática com teoria, mas o preconceito só vai ser extinto com o tempo.
Margaret ressaltou que casos de violência à população LGBT em que há policiais envolvidos são encaminhados à corregedoria. 


Fonte: Jornal O Tempo

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