segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Limite entre doença mental e violência desafia a ciência


Limite entre doença mental e violência desafia ciência

Abandonar ou negligenciar pessoas portadoras de doenças mentais é uma prática já observada desde o período pós-renascentista. Vistos como ameaça à ordem social, tais pessoas eram marginalizadas e não raro recebiam o adjetivo de “loucas”.

Influenciado pelo Iluminismo, Phillipe Pinel (1745-1826) propôs diferenciar os doentes mentais das diversas outras patologias e posições sociais. Nesse momento a França vivia o ideário revolucionário: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O médico, então, compreendeu que tais pacientes necessitavam desta diferenciação, não somente por questões biológicas mas também psicológicas e sociais. (Facchinetti, 2008)

A partir dessa época, mudanças começaram a surgir como tratamentos farmacológicos, psicológicos, legislações referentes à saúde mental, classificação de todos os tipos de doenças, etc. Ainda assim, o que se percebe atualmente é que a doença mental permanece um assunto obscuro em uma sociedade ainda alienada.

O Doente Mental frente à Violência
Uma das principais questões que permeiam discussões entre profissionais da saúde e do direito é a diferença entre violência e doença mental.

O crescimento da violência urbana é uma das possíveis causas que contribui para discussão. É comum encontrar pessoas que acreditam que crimes como homicídios, latrocínios, sequestros, dentre outros, são cometidos por “loucos” que atacam a população “desvairadamente”. Crenças como essa certamente influenciam o pensamento de toda uma sociedade, o que não exclui juristas, médicos, psicólogos, legisladores, etc.

Conforme Taborda (2012), vale lembrar que há diversas “variações culturais que influenciam na construção do entendimento de violência” (p. 495)

Não se pode esquecer que a violência atinge diretamente o bem estar físico e psíquico da população e, desse modo, pode estar diretamente ligada aos diversos transtornos mentais diagnosticados. Para Serafim (2012), o termo periculosidade deve-se à associação entre violência e doença mental.

Periculosidade
Atualmente uma pessoa diagnosticada com transtornos mentais, ao cometer um crime, deverá ser avaliada conforme o artigo 26 do Código Penal, o qual prescreve:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

Hoje, a medida de segurança está restrita apenas aos que, após perícia, são considerados inimputáveis. Em situações como essa, aos que demonstram periculosidade, o juiz possivelmente irá determinar a medida de segurança e encaminhará esse indivíduo para tratamento psiquiátrico em regime de internação, ou ambulatorial. O tratamento é fundamental para assegurar a integridade do indivíduo bem como da sociedade.

O termo periculosidade é considerado pelo direito penal como “a qualidade ou estado de ser ou estar perigoso e a condição daquele ou daquilo que constitui perigo perante a lei.” (Serafim, 2012, p. 190) A grande dificuldade é que ao classificar uma pessoa portadora de transtornos mentais como alguém perigoso para a sociedade pode transparecer certo preconceito, já que às doenças metais recai o estigma da violência.

Desafios
Atualmente entre os maiores desafios encontrados está compreender os limites entre doença mental e violência. A ciência permanece em estudo para tal, mas, conforme Serafim (2012), os desafios aos conceitos e métodos e a limitação das próprias ciências psicológicas e médicas dificultam ainda mais essa compreensão.

Peritos psicólogos e psiquiatras forenses devem identificar a vulnerabilidade do risco de violência em sua essência, avaliando se o indivíduo apresenta-se vulnerável ou se pode ser vulnerável a uma situação, mesmo não sendo portador de doença mental.

A vulnerabilidade é entendida hoje como uma condição instável e de fragilidade, a qual atinge cada indivíduo de maneiras e graus variados. Assim, cabe ao profissional avaliar quais os motivos para o ato, quais as influências para esse comportamento, o que compreende sobre sua ação, etc.

Deve-se, portanto, segundo o mesmo autor, solicitar a esses profissionais peritos investigações pertinentes, para que não haja nenhuma dúvida ou falha nas avaliações. Os exames psíquicos, sejam clínicos ou através de instrumentos, devem ser mencionados e adequados ao exame pericial. Laudos claros, concisos e, principalmente, que respeite a complexidade do caso, possibilita ao perito ser um auxiliar da Justiça e, consequentemente, suprir a dificuldade diante da dúvida.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Código Penal. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: . em: 31 outubro 2012.

FACCHINETTI, Cristiana. Philippe Pinel e os primórdios da Medicina Mental. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online]. 2008, vol.11, n.3, pp. 502-505. ISSN 1415-4714.  http://dx.doi.org/10.1590/S1415-47142008000300014

SERAFIM, Antonio de Padua. Psicologia e Praticas Forenses.. Barueri; SP: Manole, 2012

TABORDA, José G. V. et al. Psiquiatria Forense. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2012

Autores
 Hewdy Lobo Ribeiro é psiquiatra forense, médico psiquiatra no Programa de Saúde Mental da Mulher – ProMulher no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo, conselheiro no Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, secretário do Comitê Multidisciplinar de Psiquiatria Forense da Associação Paulista de Medicina e diretor da Vida Mental Serviços Médicos de Psiquiatria Forense.

Aline Celestino Baptistão é psicóloga especialista em dependência química pela Universidade Federal de São Paulo. Atuação em Psicologia Jurídica na Vida Mental Serviços Médicos de Psiquiatria Forense.

Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2012

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