Em seu retorno a Belo Horizonte, Festival de Inverno abre as portas da UFMG para manifestações de culturas não hegemônicas
Foto: Bruna Brandão
De 18 a 26 de julho, a UFMG será ocupada por
lideranças indígenas, participantes das ocupações urbanas, reinadeiros,
quilombolas, povos de terreiro, agricultores urbanos, cicloativistas,
midiativistas, artistas, estudantes e pesquisadores. O evento, que volta a Belo
Horizonte depois de 23 anos, encerra a última edição da trilogia do Bem comum –
Diamantina sediou as duas anteriores – em um formato que vai transformar o
campus Pampulha em um território livre, povoado por múltiplas vozes e cantos e
diversos modos de viver e de conhecer. Todas as atividades são gratuitas, e as
inscrições serão feitas pela internet.
A 46ª edição vai fazer do campus Pampulha um
ambiente tomado por ocupações livres e horizontais, em especial as provenientes
das culturas indígenas, afrodescendentes e urbanas tradicionalmente excluídas.
“São ocupações que inventam outros modos de vida em comum, e que podem nos
inspirar a criar novas formas de habitar o território”, explica o professor
César Guimarães, do Departamento de Comunicação Social, e coordenador-geral do
Festival.
Para Guimarães, a hospitalidade dedicada aos grupos
e sujeitos submetidos à exclusão, bem como aos seus saberes e práticas sociais,
é uma forma de reinventar a reciprocidade que guia a relação da Universidade
com a comunidade. “É uma temática que visa implicar ainda mais a Universidade
nos dilemas que atravessam os nossos modos de vida em comum, que estão
fraturados por persistentes processos de exclusão e de produção de
desigualdade”, diz ele.
De acordo com o professor Fernando Mencarelli,
diretor adjunto de Ação Cultural, a volta do evento à capital mineira ocorre em
um momento em que a cidade demanda ações da Universidade e que a própria
instituição “deixa claro que também é parte da cidade”.
A professora Leda Maria Martins, titular da
Diretoria de Ação Cultural (DAC), órgão que realiza o evento, lança mão de uma
metáfora para traduzir o retorno do Festival ao campus Pampulha. “Comparo esse
movimento ao navio que sai em viagens pelo mundo e, em um dado momento, retorna
para casa a fim de reabastecer e se realimentar. No caso do Festival, ele
também volta para partilhar suas jornadas e experiências”, afirma.
A diretora de Ação Cultural lembra, ainda, que a
proposta conceitual do Festival de Inverno é coerente com outras ações
coordenadas pela DAC, como a Feira de Jequitinhonha, o Festival de Verão e o
Quarta Doze e Trinta. “Em todas elas, temos nos empenhado para dar visibilidade
a sujeitos e a saberes nem sempre contemplados no âmbito da Universidade. Se
prestarmos atenção às programações do Centro Cultural e do Conservatório,
perceberemos que elas visam ao bem comum”, argumenta Leda Martins.
A vice-reitora Sandra Goulart Almeida reforça a
importância de receber na sede principal da UFMG grupos geralmente não
integrados ao fazer acadêmico. “O processo do conhecimento e da aprendizagem é
de mão dupla. A Universidade se nutre da interlocução com outras formas de
saber. Além disso, a interação com a comunidade em torno de temas como
alimentação, mobilidade e tratamento do lixo é uma excelente oportunidade de
reafirmar o campus como um espaço público.”
Cinco eixos
Durante o Festival, o campus receberá uma série de
Intervenções, em que serão instaladas redes, espreguiçadeiras, bancos de praça,
espaços para jogos, fornos, fogões, cabanas de bambu. Por sua vez, Grandes
encontros, transdisciplinares e abertos, vão reunir os participantes para
conversas em torno do tema Bem comum. Entre os assuntos abordados estarão as
ocupações, a retomada das terras indígenas, a mobilidade urbana, a
biodiversidade, as mídias públicas e livres, as culturas urbanas e as relações
entre o campus e a cidade.
Serão cinco grupos de trabalho: Injó dya zuela
(Casa do canto); Grande assembleia (Aty guasu) dos povos indígenas no Brasil;
Parque das imagens; Ocupa mídias; e Campus, território do bem comum. Este
último terá a mobilidade como uma de suas temáticas centrais. O Festival
contará com ônibus circulando gratuitamente dentro do campus e em conexão com
locais estratégicos da cidade, como as ocupações urbanas e a região central.
Outra ação é a implantação de um sistema experimental de bicicletas
compartilhadas e de ciclovias no campus, o que exigirá a redução de carros no
campus durante todo o evento. Os participantes farão convocatórias públicas de
doações, buscarão bicicletas descartadas para reforma, desenharão projetos e
construirão bicicletários, entre outras ações.
A Grande assembleia (Aty guasu) dos povos indígenas
no Brasil, por sua vez, focalizará a retomada de terras e a afirmação dos
direitos indígenas. A assembleia reunirá lideranças indígenas Guarani e Kaiowá,
Terena, Caipó, Munduruku, Tupinambá, Pataxó, Guajajara, Maxakali, Mbya e
Kaikang, provenientes de diferentes regiões do país. Já o núcleo Injó dya zuela
(Casa do canto) sediará manifestações vinculadas aos saberes e às práticas de
culturas afrodescendentes: cantos, rezas, rituais, danças, técnicas medicinais,
entre outros.
O núcleo Parque das imagens promoverá mostras de
filmes com projeções em diferentes espaços do campus, além de reunir grupos de
trabalho dedicados à produção em fotografia, vídeo e cinema. Serão oficinas e
ensaios, fotográficos e cinematográficos, relacionados com a temática das
ocupações. Já no núcleo Ocupa mídias, veículos institucionais como o BOLETIM, a
TV UFMG e a Rádio UFMG Educativa serão ocupados por grupos e artistas
envolvidos em movimentos midiativistas de criação colaborativa e experimental.
Arte do lixo
Um campo a ser amplamente desenvolvido no Festival
é o da agricultura. Horta e pomar comunitários serão plantados no campus, com
foco em cultivos tradicionais, por meio dos quais serão disseminados
conhecimentos de chuvas, técnicas de carpir e regar e cuidados de manutenção. A
ideia é promover a discussão sobre a criação de pomares e hortas em espaços
públicos e privados, além de estimular a troca de sementes de espécies vegetais
entre os participantes.
Já os modos de se lidar com o lixo das cidades
entrarão na pauta do projeto O lixo não existe. Apoiados por um coletivo
especializado em projetos de arte e design para transformação social, os
participantes vão organizar atividades de logística reversa, transformando o lixo
do evento em arte. Ações de reciclagem e compostagem também serão
desenvolvidas, inclusive de pesquisa, no sentido de se investigarem as formas
como a UFMG descarta seus resíduos.
Também haverá atividades com foco nas Comidarias.
Receitas tradicionais da culinária indígena e quilombola serão levadas a
piqueniques, banquetes públicos e bandejões do campus. Ainda está programada
uma feira de alimentos orgânicos.
Quando a noite cair, a UFMG será tomada por uma
programação artística especial, com shows, concertos, performances e
espetáculos teatrais em diferentes locais do campus – sempre em consonância com
as principais preocupações do Festival. Já estão confirmados, dentre outros,
nomes e atrações como Siba, Família de Rua, Paulo Freire, Encontro de saraus,
MC Dodô, Roda de Jongo e Samba de BH.
Fonte: Boletim UFMG
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