Foto: Hospital Sofia Feldman
Na Semana de Humanização do SUS, revisitamos uma reportagem da Revista "RADIS, Comunicação e Saúde", publicada em maio de 2012, sobre a experiência do Hospital Sofia Feldman, referência nacional em atenção humanizada e boas práticas.
Um detalhe
chama a atenção de quem circula por qualquer um dos dois Centros de Parto
Normal do Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte : os quartos foram batizados com
nomes de personalidades femininas importantes da história mineira e nacional,
como Dona Beija, Chica da Silva e Adélia Prado. A homenagem é coerente com a
filosofia de atendimento humanizado dessa maternidade de grande porte, em que
se incentiva o protagonismo da mulher no parto.
Por várias razões, a experiência desse
hospital na atenção ao parto e nascimento é referência nacional em atenção
humanizada e boas práticas. Muitas das características da ambiência hospitalar
e da dinâmica de trabalho aparecem como recomendações do programa Rede Cegonha
do Ministério da Saúde. O recém-inaugurado Centro de Parto Normal Helena Greco
(nas dependências do prédio principal) conta com cinco quartos espaçosos e
iluminados e três com banheiras para parto na água. E o Centro de Parto Normal
David Capistrano da Costa Filho (com entrada independente), criado em 2001 e
conhecido como Casa de Parto, conta também com cinco quartos, um com banheira.
Mesmo sendo referência para alta
complexidade em todo o estado de Minas Gerais, a taxa de cesariana no Sofia
Feldman é de cerca de 25%, menor do que a da rede pública como um todo. O
hospital apresenta também as menores taxas de mortalidade materna e neonatal de
Belo Horizonte, segundo informações da Comissão Perinatal da Secretaria
Municipal de Saúde. Dos mais de 7 mil bebês que nascem ali, cerca de 10% nascem
na Casa de Parto.
Os partos feitos ali são assistidos por
enfermeiras obstétricas, como Nágela Cristine Pinheiro Santos, que está há 16
anos no Sofia Feldman e ajudou a elaborar o projeto do espaço e a desenvolver
dispositivos para dar mais conforto à mulher, como um arco de metal adaptado à
cama, que facilita a posição de cócoras. “A Casa de Parto Normal dá à mulher
poder de decidir o que quer na hora do parto, como em que posição ficar”, diz
Nágela, que esteve em maternidades da região Nordeste e da Amazônia Legal para
difundir suas experiências por meio do Programa de Qualificação das
Maternidades (PQM) e, em fevereiro, participou de um seminário de humanização
no Camboja. “Medidas simples como um chuveiro quente ou uma cortina separando
leitos em uma enfermaria conjunta dão resultado imediato de mais conforto e
privacidade”, conta. Ela lembra, porém, que a humanização é mais do que o
ambiente confortável. “A instituição como um todo precisa entender e incorporar
a humanização”.
O diretor administrativo do hospital, Ivo
Oliveira Lopes, concorda. “Alguns direitos, para serem garantidos, não demandam
recursos. Nós, gestores, temos o dever de preservá-los. O parto é da mulher,
não um ato médico. Assistir o parto não é tomar o lugar da mulher, e o
enfermeiro obstétrico, ao lado de todos os outros profissionais, é
fundamental”, considera. “A tecnologia que chega é muito bem-vinda, mas para
quem tem necessidade real, não por uma necessidade mercantilista”, reforça o
médico, que destaca o reconhecimento obtido pelo Sofia como Hospital Amigo da
Criança, conferido pelo Unicef, e o Prêmio Maternidade Segura, recebido da
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Segundo ele, os bons resultados são
devidos principalmente à participação da comunidade. “A gestão participativa
determina os rumos da humanização”, explica ele, acrescentando que esse aspecto
esteve presente no hospital desde o início de sua história. Construído em
sistema de mutirão por voluntários da comunidade a partir da doação de um lote
para uma sociedade beneficente, o Sofia Feldman foi inaugurado, ainda como
ambulatório, em 1977, passando a atender como hospital em 1982.
Em 1988, a entidade
mantenedora passou a ser a Fundação de Assistência Integral à Saúde (Fais).
Hoje, é uma instituição pública, não governamental, que atende exclusivamente
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As questões administrativas do hospital são
definidas e decididas pelo colegiado diretor, composto por 16 pessoas de
diferentes perfis profissionais.
Todos os dias, são promovidas reuniões
com parturientes e acompanhantes para avaliar o atendimento. “Queremos entender
a singularidade de cada ser humano e da sua rede social. Oferecer atendimento
baseado em evidências científicas é o mínimo”, explica Ivo, para quem a
humanização passa também pelas relações entre trabalhadores e gestores.
“Mulheres são 80% das nossas trabalhadoras, por isso as questões de gênero
estão ainda mais presentes”, diz. O Sofia dispõe de academia e creche para as
funcionárias, e promove ações de comunicação e eventos de integração entre a
família do trabalhador e o hospital.
Há ainda o Núcleo de Terapias
Integrativas e Complementares, que atende tanto funcionários quanto gestantes e
mães com bebês internados, com práticas da medicina tradicional, como
escalda-pés e auriculoterapia. A enfermeira Lília Coelho Lopes está à frente do
núcleo e trabalha com uma equipe de voluntárias. “O objetivo é estimular os
processos de cura internos. É um trabalho coadjuvante ao da alopatia, que
representa o acolhimento e diminui a ansiedade das gestantes”, diz Lília.
Manejo conservador
Com 40% da mulheres provenientes do
interior do estado, o Sofia precisou desenvolver iniciativas criativas para
atendê-las, que foram incorporadas ao modelo de gestão do hospital. A Casa da
Gestante Zilda Arns recebe gestantes com agravos em um espaço próximo ao
hospital, evitando viagens desgastantes de ida e volta para casa para aqueles
que moram distante do hospital, e até partos antecipados. Já a Casa de Sofias
acolhe mães que vêm de longe e têm filhos internados na UTI neonatal. Criadas
por iniciativa dos gestores, passaram a ser financiadas pelo Ministério da
Saúde através da adesão ao programa Rede Cegonha.
“Para um prematuro, ficar quatro semanas
a mais dentro do útero significa viver ou morrer”, explica a pediatra Raquel
Aparecida Lima de Paula, responsável pela área de neonatologia do hospital, que
reforça a importância do manejo conservador das gestações de risco. “A política
pública mais eficaz consegue reduzir os gastos com atenção terciária. De modo
geral, a família tem excesso de confiança na tecnologia, mas a melhor
incubadora é o útero da mãe. Historicamente há uma inversão, com muitos
recursos para a atenção terciária, como construção de UTIs neonatais. Os
equipamentos são caros e não resolvem a questão principal”, comenta a médica.
Raquel aponta como um dos pontos
positivos do Rede Cegonha a correção das distorções da tabela de procedimentos
obstétricos e neonatais. Ela acredita que o programa pode representar uma
inflexão no modelo de assistência e “começa a inverter essa lógica de
assistência da obstetrícia e da neonatologia. É como se o que nós idealizamos
aqui pudéssemos ver no Brasil inteiro”.
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