quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Integrantes da Rede Saúde e Cultura: Sidney do Carmo e a história da Saúde e da Cultura

 RISCO DE PERCURSO
 
Sidney do Carmo
 
Palavra chave: transformação social – contexto histórico

Em 1880 as idéias positivistas de Auguste Conte disseminavam-se pelo mundo, tanto que no Brasil, criava-se o IAPB (Igreja e Apostolado Positivista do Brasil), acontecia o Primeiro Congresso Internacional de surdos, em Milão, divulgando-se a língua de sinais, a linguagem dos símbolos; tínhamos os rumores do parnasianismo na escrita. 

Em cena uma época de fortíssimas teses e acontecimentos; em cena um cenário de contradições. Nasce o sanitarista e visionário Ezequiel Caetano Dias, Ezequiel Dias. Numa época em que se configurava um labirinto de indagações, entre instâncias próprias da revelação para a ação de um discurso revestido pelo que tem de mais pulsante: a prática ajuizando o ato. Surge, pois, o gerado, no antagonismo da oferta e da recusa e são estes ingredientes ímpares que emolduram a personalidade de Ezequiel Dias. 

O Brasil como na famosa frase de Euclides da Cunha seria uma criação da teoria política. Nesta chave, interpretar o Brasil deve obedecer ao esclarecimento das relações efetivamente existentes entre homens e deles com seu ambiente natural, mas criá-lo, elaborando instrumentalmente instituições, pessoas e valores sociais. Devemos nos debruçar sobre a questão de saber quais são as condições da vida social que determinam, pelo menos em parte, as diferentes formas e espécies de conhecimentos, quais as condições de realizações em um mundo que somente é aceito por ele na medida em que sofre a sua intervenção. Intervir é coisa do corpo! Foi assim que em 1893, no balcão de uma farmácia no bairro das laranjeiras no Rio de Janeiro, estava um menino de doze anos, esguio, magro, com olhos negros e brilhantes, que ajudava os serviços do estabelecimento.

 Ezequiel Dias já iniciara sua aventura alquímica num ambiente onde a teoria e a prática dialogava numa simbiose que lhe inspirou o desejo de cursar farmácia. Porém, mais que atenuar os sofrimentos, ao então jovem estudante de farmácia preocupava a origem da doença, sendo este o motivo de sua dedicação. Num certo dia de 1899, um visitante trazia ao estudante “o convite de um tal Dr. Oswaldo Cruz para uma conferência prévia, que, certamente, se seguiria ao emprego, bem remunerado. Contudo é importante transcrever aquele que foi o primeiro diálogo profissional entre Oswaldo Cruz e Ezequiel Dias, conforme o livro Ensaios escrito por Octávio de Magalhães. 
“Em que ano está o senhor
- No terceiro.
Tem medo da peste?
- Não. Senhor.
Está disposto a trabalhar tantas horas quantas forem necessárias para cumprir as suas obrigações, sem dependência de nenhum horário fixo? - Perfeitamente.
Agora uma última pergunta, a qual ligo muita importância: o senhor conhece alguma cousa de bacteriologia? O moço teve um momento de dúvida: exercia sobre si o inesperado cargo de auxiliar de um verdadeiro cientista; além dos proventos que daí lhe adviria; de outro lado, a consciência, que compelia a dizer a verdade. Optou por esta, deixando-se, porém, cair, interiormente, numa crise de abatimento moral. - Não, senhor.
“Pois está muito bem; é essa uma das condições exigidas”.

A partir daí torna-se o principal colaborador de Oswaldo Cruz na luta pela saúde, motivada inicialmente pela ameaça da peste bulbônica, que, depois de uma longa trajetória pela Europa, havia chegado as Américas.

Na seqüência, aportou em outubro de 1899 a cidade de Santos, requerendo das autoridades estratégias rápidas de controle desta doença. Criou-se de imediato em Oswaldo Cruz , ao constatar que já contava com um colaborador, o desejo de fundar filiais (laboratórios) nos estados  brasileiros, difundindo as doutrinas científicas de sua escola, o que representava uma necessidade num país assolado por tantas endemias.

Teve Ezequiel Dias a incumbência de fundar a filial de Manguinhos nos da primeira década de Belo Horizonte.

Em Minas Gerais, a filial de manguinhos foi uma espécie de braço das Ciências biológicas no Estado, pois promovia, como no Rio de Janeiro, reuniões semanais em sua biblioteca para discutir artigos científicos nacionais e estrangeiros, as quais passaram a comparecer médicos e professores da cidade, dando origem á faculdade de medicina, em 1911, e iniciando uma colaboração duradoura que uniu a pesquisa, a produção e o ensino.”

Isto porque o grupo laureado por Oswaldo Cruz tinha este costume na capital brasileira, que recebia influência francesa de modos de pensar e agir, onde este grupo tinha acesso a um importante jornal: La Gazette, que se dedicou a este tema da medicina social. Só para se ter uma idéia, entre 1848 -1868 surgiram na imprensa francesa cerca de sessenta jornais dedicados ao tema.

Ezequiel Dias teve sua orientação social, ele acreditava na missão sociológica de sua função para atenuar os sofrimentos dos desvalidos e desprovidos de informação; E desta forma, conseguiu articulações num tempo de encontros paradoxais. De um lado, a promessa da modernidade, o surgimento do cinema e de outro, as epidemias disseminando-se em grande parte a população brasileira que não tinha acesso sequer ao saneamento básico. Ele mesmo sentia isto no corpo, e sua ação era a convergência deste “estado”. Advogava em favor desta causa mesmo doente. Ele mesmo sentia isto no corpo, e sua ação era a convergência deste “estado”. Vimos em Ezequiel Dias uma figuração apontada por Everardo Duarte Nunes em seu livro: “Sobre a Sociologia da saúde”- há, contudo uma faceta importante que precisa ser dita em que o determinismo geográfico e os fatores culturais correspondem ao estar inserido no espaço, no espaço como curso da história no dizer de Milton Santos, pois no corpo (aquele corpo doente), a doença altera o ritmo de vida, já que todos nós vivemos num determinado ritmo, pela cultura e hábito e, sobretudo naquilo onde estamos inseridos e não se apagam as marcas do lugar em que estamos. Nossa situação no tempo e no espaço faz a diferença. Ao diferir, conferimos. A diferença faz-nos falar. Tanto que Ezequiel Dias mesmo doente organizava em sua casa vários saraus científicos e literários e nestes brotaram estudos em Minas na discussão sobre o câncer e textos literários de escritores franceses.

Nestes saraus lia-se com fervor Charles Baudelaire. Em Belo Horizonte, era rodeado por amigos e admiradores como o memorialista Pedro Nava que comenta: sua postura era daquele que o olho escuta o silêncio do corpo que fala e uma dedicação pelo detalhe do detalhe, fruto de suas investigações no laboratório de microbiologia e leituras simbolistas.

Quando Ezequiel Dias começou a verdadeira independência científica, ao lado de Oswaldo Cruz, havia um clima em que só se pensava “no amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”.

Em 1917, escreveu a primeira lição de microbiologia da faculdade de Medicina de Belo Horizonte, como também, uma conferência: “Um problema resolvido”, dessa feita sobre o escorpionismo. Referindo-se ao escorpião disse:

“vive muito bem no campo, de preferência entocando-se sob as pedras onde lhe apraz hibernar demoradamente, impassível, sóbrio, em prolongada modorra, alheio á movimentação harmoniosa da natureza”.

Em 1918, publica “O Instituto Oswaldo Cruz”, resumo histórico sobra à casa de Oswaldo Cruz.

 Um risco não do ofício
 
Aquele que foi farmacêutico, médico e pesquisador por pouco seria engenheiro. Havia feito a promessa para sua irmã de estudar engenharia seguindo exemplos de seus antepassados. Mas a proximidade familiar, seu pai era médico e o contexto da época que viveu as relações traçadas, o convívio num cenário entre saúde e a doença, o clamor de mudanças, fizeram com que tomasse partido pela questão social. Nãos e cala um gesto conduzido pelo olhar social, não há como apagá-lo, pois o ato é um ensaio da posse no espaço, função corpórea, articulada como modelo como reflexo, como um grito. Lukács nos lembra que a consciência vai ao ponto de declarar que a transformação das idéias em realidades é um pensamento profundo, muito importante do ponto de vista histórico.

Em Ezequiel Dias o conhecimento é por fim/foi uma construção do fazer saúde pública neste país que ainda constrói e firma sua identidade.

Faleceu em 1922, no ano do acontecimento da semana de arte moderna no Brasil.

 
Do autor
Historiador, Poeta e artista cênico, Sidney José do Carmo nasceu em Belo Horizonte. Em fins dos anos 80, atuou intensamente no grupo performático Vírus Mundanus``, encenando autores como os franceses Baudelaire, Rimbaud, Válery, Lautréamont e os alemães Paul Celam e Georg Trakl, além do norte- americano Edgar Alan Poe e os brasileiros Murilo Mendes, Drummond, Dantas Mota e Augusto dos Anjos. Desde o início dos anos 90, vem realizando pesquisas na fronteira literatura/saúde pública, com suporte da Fundação Ezequiel Dias – Desenvolveu na Escola de Saúde Pública de Minas Gerais o Projeto Saúde Com Cultura na cidade de Diamantina entre 2002 a 2004. É Articulador do projeto Ciência em Movimento da Funed.

Referências bibliográficas
Octávio de Magalhães – Ensaios – 1951.
 Passantes da Agonia- publicado na revista mineira de saúde pública, n.01- junho/2002;

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