sábado, 30 de junho de 2012

Arquivo de notícias - Parteiras querem ser reconhecidas como patrimônio imaterial do país


Depois da roda de capoeira, do acarajé baiano e do toque dos sinos de Minas Gerais, chegou a vez de os chás, as rezas e as massagens que servem de pano de fundo para muita gente chegar ao mundo se tornarem patrimônio nacional.

É que a ONG Instituto Nômades encaminhou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um inventário e uma solicitação do registro do ofício da parteira tradicional como bem cultural de natureza imaterial.

“A maioria das parteiras é idosa e o saber acumulado por elas encontra-se sob ameaça de desaparecimento diante de um contexto que inclui a oralidade desse saber, o desinteresse das novas gerações pelo ofício e a pouca valorização da profissão em nossa sociedade”, afirma Júlia Morim, antropóloga do Instituto Nômades. “Partejar não é só retirar o bebê. Precisamos preservar esse saber coletivo que reforça a identidade de um povo.”

Apesar de não haver uma estatística oficial, estima-se que sejam realizados 40 mil partos domiciliares no País ao ano, a maioria deles assistida por parteiras tradicionais das Regiões Norte e Nordeste. Para fazer o inventário, a ONG localizou e entrevistou 165 parteiras das 871 residentes no Estado de Pernambuco.

Maria Fernanda da Silva, de 39 anos, é uma delas. Vive em Caruaru (PE) e herdou o ofício da mãe. Como a maioria das parteiras, fez o primeiro parto na adolescência e no susto.

Ela tinha 16 anos, quando uma “paciente” de sua mãe chegou prestes a dar à luz. Na ausência da mãe, assumiu a tarefa. “Eu já era ajudante, virei a parteira. Com direito a acompanhar a dilatação, pegar o menino e cortar o cordão umbilical.”

De lá para cá, foram mais 200 partos e, nos últimos anos, Fernanda assistiu a uma mudança radical na clientela. “Antes, ou a gente fazia o parto ou a mulher ia parir sozinha. Agora, não. Com a chegada dos hospitais, essas mulheres mais simples preferem o atendimento médico. Muitas até escolhem a cesárea.”

Por outro lado, as parteiras conquistaram um outro público. “Atualmente, quem nos procura são mulheres mais esclarecidas. Meu trabalho virou diferencial.”

Opção. Esse novo nicho de clientes extrapolou as fronteiras do Norte e Nordeste. Em qualquer grande centro urbano tem crescido o número de gestantes que trocam o hospital pela própria casa.

Desde 2009, a parteira Ana Cristina Duarte já fez 120 partos domiciliares na cidade de São Paulo. Formada em obstetrícia, Ana conta que seu público é formado por mulheres com curso superior pertencentes às classes média e alta. Um dos partos que ela fará neste mês é o de Kelly, de 30 anos, médica que decidiu abrir mão do hospital para parir em casa.

“Assistimos a uma mudança de paradigma. Atendo a mulheres intelectualizadas, que chegaram a mim depois de pesquisarem o assunto e de terem certeza de sua escolha”, afirma. Ana cobra entre R$ 2 mil e R$ 4 mil por cada um dos seis partos que realiza ao mês. Se a gestante também optar pelo pré-natal, paga R$ 100 pela consulta.

Essa “profissionalização financeira”, no entanto, não chegou ao Nordeste. Por lá, Fernanda, como a maioria das parteiras tradicionais, nunca recebeu remuneração alguma. “Aqui, criou-se essa imagem de caridade. Então, mesmo quando faço o parto de alguém com mais dinheiro, não sei cobrar. Mas a gente tem de mudar isso, porque eu preciso comer”, brinca.

Vida dupla. Para pagar as contas, muitas parteiras enveredaram para o trabalho em hospitais, seja na função de auxiliar de enfermagem ou como parteiras hospitalares. Sem abandonar, é claro, a clientela que acredita no parto domiciliar.

Foi o que Fernanda fez. Formou-se enfermeira e comemora os avanços observados desde sua chegada ao hospital. “Antes, os médicos eram muito conservadores; hoje, até o parto de cócoras eles já começaram a aceitar. Mas, para poder cantar e orar, só em casa mesmo.”

O Instituto Nômade acredita que o registro como patrimônio imaterial pode suscitar avanços na discussão sobre a valorização do ofício e ajudar na conquista de direitos trabalhistas e sociais. O inventário enviado pela ONG está na etapa de avaliação técnica do Iphan e deve ser discutido no próximo mês na Câmara do Patrimônio Imaterial do órgão.

“Está em análise, mas já se pode dizer que o saber, a forma de fazer e os conhecimentos das parteiras são bens passíveis de reconhecimento”, diz Claudia Vasques, coordenadora de registro do Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...